RELATO DE UMA MISSÃO EM MOÇAMBIQUE: "UM CHAMADO DO CORAÇÃO QUE SE TRANSFORMA EM PROJETO" – POR LILIANA GEADA

Mueria, Moçambique – Pelo segundo ano consecutivo, regressei a Mueria, um lugar que se enraizou profundamente no meu coração. A experiência do ano passado foi tão marcante que, antes mesmo de regressar a casa, já tinha a certeza inabalável de que voltaria. Se em 2024 a estadia foi boa, este ano superou todas as expectativas, revelando-se ainda mais intensa, mais desafiadora e, paradoxalmente, infinitamente mais gratificante. A certeza de que duas ou três semanas são insuficientes para semear e colher frutos solidificou-se. Desta vez, foram três meses de presença na missão de Mueria – meses que, apesar das dificuldades e dos momentos de provação, foram um verdadeiro renascimento do espírito e reforçaram a minha vocação inabalável de continuar a servir.

Durante a minha estadia, vivi de perto a força avassaladora do ciclone Jude. Não apenas observei, mas senti na pele a destruição implacável das casas e das “machambas” (campos agrícolas) que são a base da subsistência destas comunidades resilientes. A dor da perda era palpável, mas a fé e a esperança eram ainda mais fortes. Fui parte ativa no acolhimento das famílias afetadas no Centro de Formação Daniel Comboni. Gerir esta situação foi um desafio emocional imenso, que testou os limites da minha própria capacidade de empatia. As famílias chegavam até nós apenas com a roupa do corpo, com várias crianças pequenas, sem nada, mas com uma serenidade e uma dignidade que me comoveram profundamente. Foram três dias de chuvas e ventos tempestuosos, mas que não nos permitiram ficar de braços cruzados, a observar. É em momentos de crise, de desespero e de superação que se vive, em cada fibra do ser, o verdadeiro espírito de Missão.

O Coração Pulsante da Missão: As Pequenas Irmãs de Maria e a Força Avassaladora do Amor

O meu trabalho foi intrinsecamente articulado com as Irmãs do Movimento dos Pequenos Irmãos de Maria, um movimento de fiéis leigos, homens e mulheres, que procuram viver o evangelho segundo Nossa Senhora. Em Mueria, encontrei três almas luminosas – as irmãs leigas não consagradas e voluntárias Ana Liza, Marcela e Maura –, que dedicam as suas vidas à missão há alguns anos. Elas não têm apenas um coração de ouro; têm um coração feito de pura entrega e um espírito de partilha e ajuda fora do comum. São acolhidas pelas comunidades com um carinho que transcende qualquer palavra e respeitadas por todos, sendo consideradas as mães que acolhem e cuidam dos seus filhos da comunidade com todo o AMOR que emana do mais profundo da sua fé.

As Pequenas Irmãs de Maria são responsáveis por diversas áreas vitais da missão, cada uma delas um pilar de esperança: o lar feminino, a pastoral, a catequese, a Infância Missionária, o apostolado e o crucial centro de nutrição. Tive a oportunidade e a alegria de ajudar as meninas do lar feminino na organização de tarefas, no estudo e, acima de tudo, na educação. É fundamental o estudo e a formação para estas jovens almas sedentas de conhecimento, mas, por vezes, a cruel realidade da falta de viabilidade financeira das suas famílias impede que continuem a estudar. É uma dor profunda saber que várias meninas do lar correm o risco de não terminar o ano letivo e que outras, com uma capacidade académica acima da média e um futuro tão promissor, não poderão prosseguir para o ensino superior pelo mesmo motivo. Elas roubaram o meu coração no ano passado, e este ano não foi diferente. Cada uma delas, com a sua essência única, vive no mais íntimo do meu ser. No lar feminino e na casa das irmãs, vive-se o AMOR no seu estado mais puro, na sua forma mais desinteressada e divina. É Maravilhoso.

O apostolado e a Pastoral não são apenas atividades; são a essência que dá sentido a todo este AMOR. É a voz de Deus que nos chama a estar lá, que nos impulsiona a ir além. É Ele que nos confia esta vocação, este propósito maior que transcende o individual.

O Crisma em Moçambique: Um Reforço da Fé e do Compromisso na Missão

Em meio à intensidade da minha missão em Mueria, Moçambique, tive a graça e a oportunidade de fazer o Crisma. Não foi apenas um sacramento a ser cumprido; foi um momento de profunda conexão espiritual e um reforço significativo dos valores que me guiam nesta jornada. Receber o Crisma ali, naquele contexto de entrega e serviço, conferiu-lhe um significado ainda mais profundo.

O Crisma, para mim, foi a confirmação de uma fé que já me movia, mas que agora se via selada e fortalecida pelo Espírito Santo. É um sacramento que nos chama à maturidade cristã, ao discernimento e, acima de tudo, ao compromisso ativo com a nossa fé. Em Moçambique, onde a fé e a comunidade são pilares da vida diária, este sacramento ganhou contornos ainda mais vívidos.

Os valores do Crisma – como a coragem para testemunhar a fé, a fortaleza para enfrentar os desafios, a sabedoria para discernir o caminho certo e o amor que nos impulsiona ao serviço – foram vividos e sentidos de forma palpável em Mueria. A capacidade de me manter firme perante as adversidades, como o ciclone Jude, e a vontade de continuar a ajudar as comunidades, mesmo nos momentos mais difíceis, foram, em grande parte, alimentadas por essa renovada força interior.

O Crisma em Moçambique não foi apenas um rito; foi uma experiência transformadora que enraizou ainda mais a minha vocação e o meu compromisso de amor e serviço ao próximo. Foi a certeza de que a presença do divino se manifesta na partilha, na ajuda e na dedicação, valores que se tornaram ainda mais claros e inabaláveis neste solo abençoado.

Nutrir Corpos e Fortalecer Vidas: O Desafio Sagrado do Centro de Nutrição

O centro de nutrição é um milagre diário, suportado a 100% pelas irmãs, sem qualquer ajuda financeira da paróquia. Dependem, portanto, da generosidade de beneméritos e de todas as ajudas que são sempre bem-vindas, como um bálsamo em terra árida. Semanalmente, centenas de crianças desnutridas chegam à missão, muitas delas à beira da vida, com o corpo frágil e a esperança vacilante.

No centro de nutrição, cada gota de leite é um tesouro, contada rigorosamente; não sobra nada, pois as crianças são muitas e o leite, a cada dia, mostra-se insuficientemente escasso para tantas bocas famintas. Tive a oportunidade e a bênção de encaminhar e trabalhar diretamente com o nutricionista do centro de saúde em diversos casos. Partilhando conhecimento e experiências, foi possível ensinar e aprender mais, numa troca rica que ganhou a comunidade e, acima de tudo, as crianças. Foram realizadas várias palestras às comunidades sobre os nutrientes das plantas abundantes naquele território, cujas qualidades nutricionais os locais desconheciam, revelando um potencial inestimável. Juntos, elaborámos “papinhas” e “matapas” (pratos típicos moçambicanos), para que pudessem replicar em casa e nutrir as suas famílias. As distribuições encheram não só a barriga dos mais pequenos, mas também os nossos corações.

Projeto Criança D'África: O Legado de um Amor que Germina

De toda esta experiência, da dor, da alegria, do cansaço e da esperança, e por ter vivenciado tão de perto a realidade que me transformou, nasce ainda em terras moçambicanas o Projeto CRIANÇA D'ÁFRICA. Mais do que uma associação, será um farol de esperança, que irá apadrinhar crianças nos estudos e na alimentação, e que irá promover e implementar meios de ensino à distância para crianças e adultos, abrindo portas para um futuro que antes parecia inalcançável. Neste projeto, o chamado à solidariedade é para todos: podem apadrinhar ou ser voluntários, podemos ajudar a partir daqui ou localmente. O sonho é grande, mas a vontade de fazer a diferença é ainda maior, impulsionada pela certeza de que a ajuda é sempre necessária e que, juntos, guiados por este espírito de vocação e amor, podemos construir um futuro mais luminoso e promissor para estas crianças que tanto me ensinaram sobre a verdadeira essência da vida. Acredita que também o teu coração pode ser tocado por este amor?

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