2024/08/29
Inês Costa Pereira, é uma jovem baionense, de 20 anos de idade, natural e residente na vila de Baião, é estudante do terceiro e último ano de Ciências da Comunicação, na Universidade do Porto, pretendendo especializar-se no ramo da comunicação estratégica (marketing).
No passado dia 27 de junho, partiu sozinha, para uma aventura em Cabo Verde, na ilha de São Vicente, onde viveu uma experiência única de voluntariado com a população local, durante quatro semanas.
Em conversa com o nosso jornal, Inês Pereira, partilhou um pouco da sua vivência referindo que teve sempre vontade de fazer voluntariado “sempre fiz vários tipos de voluntariado. Depois surgiu a vontade de fazer voluntariado internacional, que dura mais tempo e é também mais intenso”.
Revelou-nos que no ano transato participou na Missão País, explicando que é um voluntariado universitário que dura mais ou menos uma semana “nessa semana estava com muita vontade de fazer mais coisas, de fazer algo mais longo e que sentisse que pudesse ter impacto, ou seja, o impacto acaba por ser sempre mais nosso do que nas pessoas com quem acabámos por estar. Então, comecei a procurar opções e encontrei a associação «Para Onde?», que é uma associação portuguesa que faz ligação com várias associações em diversos continentes, principalmente no Africano e no Asiático”.
Com a ideia de fazer um voluntariado mais prolongado, Inês Pereira, “meteu mãos à obra” e nos meses de maio/junho, começou a pesquisar e a avaliar as opções que tinha. Foram duas as que mais gostou, um voluntariado em São Tomé e Príncipe e outro em Cabo Verde, na ilha de São Vicente. Só que, a primeira opção estava fora de questão, visto não ter na altura, o mínimo de idade exigido até setembro daquele ano, que é quando começam as candidaturas com a associação “em setembro decidi que gostava de ir para São Vicente e, então iniciei todo o processo. Precisei de escrever uma carta de motivação, preencher um formulário, temos uma entrevista e se passarmos a entrevista com a associação portuguesa, depois há ainda uma outra com a associação para onde vamos”.
No caso, da Inês calhou-lhe a associação « Espaço Jovem», sediada na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, que está a cargo de um Frei italiano, de nome Silvino, que foi para lá e apoia vários jovens, através de dois Centros, que dão apoio ao estudo e, nas férias, fazem escolinha de verão para tirar as crianças da rua. Além disso, o Frei Silvino, apoia também, não monetariamente, a Creche Kiola, cuja dona é a senhora Ronise, mas com as voluntárias da associação. Porém, a associação portuguesa ministrou uma formação a todos os voluntários que vão para qualquer sítio do mundo, sobre gerir expectativas, que decorreu em Lisboa “não é uma formação específica para cada voluntario, é mais gestão de expectativas, depois de saber como é que vamos gerir aquela quantidade toda de emoções”, esclareceu.
Questionada sobre qual foi o seu trabalho, a voluntária respondeu que foi maioritariamente com os bebés “fiquei praticamente só na creche, estive apenas um ou dois dias na escolinha, porque quando cheguei no dia 27, a escolinha tinha fechado na semana anterior para duas semanas de férias, para depois começar a escolinha de verão. Quando começou a escolinha de verão, a creche estava sem voluntários, foram mais cinco raparigas comigo, só que essas tinham um grupo de jovens no outro Centro que nós estávamos a apoiar. E, como eu estava num ateliê de teatro, que acabou por ficar em stand-by, porque o professor responsável não aparecia, acabei por ficar sempre na creche. Só estive na escolinha mesmo um dia e foi mais a tratar de papelada para ajudar na logística, porque eles, vivem muito no âmbito do no-stress. O lema de Cabo Verde é mesmo, não há stress, está tudo bem”.
Inês disse também, que a creche alberga crianças desde que nascem, até aos 3 anos de idade e tinha cerca de 28 bebés. A creche foi criada por uma senhora que se chama Ronise, já atrás referida, que tirou um curso de Ação Social, relacionado com crianças e fez um estágio no ICA, que é um centro de acolhimento de crianças e jovens lá em Cabo Verde. Durante a formação apercebeu-se que muitas das crianças que lá estavam, foram retiradas aos pais e que eram da zona dela, de São Vicente, Fernando Pó, Mindelo, porque as mães para conseguirem manter os filhos tinham de ir trabalhar e os bebés ficavam sozinhos em casa “porque em Cabo Verde as senhoras, as meninas, acabam por ser mães muito, muito, novas e normalmente nunca ficam com os pais dos bebés, ou seja, as mulheres acabam por ficar sempre sozinhas com os filhos e então têm mesmo de trabalhar para conseguir sustentar a família”.
Então a Ronise, quando se apercebeu desta situação e acabou o estágio, criou na sala da sua própria casa, uma creche “A creche começou mais ao menos há dois anos, na sua sala, a própria cozinha era onde fazia as refeições e ao longo dos tempos tem, com algumas ajudas das voluntárias, que o Frei Silvino manda para lá, criado fundos, conseguindo fazer algumas melhorias no espaço. Antes era de azulejo, agora já conseguiu pôr uma relva sintética e, neste momento, tem o chão com aqueles puzzles de borracha, arranjou a cozinha toda e com um dos fundos pagou a uma funcionária um ano inteiro. Este equipamento foi criado para dar possibilidade às mães de trabalharem e pagam um valor muito simbólico, cerca de dois mil escudos por mês, correspondente, mais ou menos a 20 euros, que quase não chega para a comida”, explicou.
Esclareceu que o voluntário ali feito, é essencialmente, ajudar a dar os almoços às crianças que são muitas para as poucas funcionárias, e que, com frequência ficam em casa a tratar dos filhos que ficam doentes, tornando-se por vezes um pouco difícil “eles choram muito poucas vezes, as únicas vezes que choram é se forem mordidos com muita força, ou se tirarem os brinquedos uns aos outros, são crianças muito diferentes das nossas, porque eles, por exemplo, um bebé cai, nós se olharmos para ele chora logo, lá podemos olhar à vontade, eles levantam-se, continuam a andar, mas lá está, depois os métodos de ensino são um bocado parecidos aos portugueses, ou seja, não é um choque cultural muito grande, por exemplo, elas como são poucas e o espaço é pequeno, claro que há momentos em que se a criança se está a portar mal tem de ir para o castigo, virada para a parede, porque não há tempo de estar a tratar dela, para saber exatamente o que é que ela precisa nesse momento, e porque é que está a bater aos colegas, porque lá a cultura é muito parecida com a portuguesa, mas é uns anos atrasada, é como se fosse a época de Portugal nos anos, sei lá, 50 ou 60”.
A nossa voluntária deu alguns exemplos “Estávamos lá às vezes e eles brincavam a dar-nos tautau nas mãos, não se pode bater, mas é a cultura que eles têm, nós também vamos para outra cultura, temos de nos habituar e não achar que a nossa é que é a melhor. Vão evoluindo aos poucos, como nós também fomos. Nós, chegávamos entre as nove e as dez, e normalmente ainda ajudávamos a dar os pequenos lanches da manhã, que a maioria das crianças acabam por conseguir trazer de casa, mas os que não trazem na creche costumam dar. Depois era o apoio, a tomar conta deles enquanto elas preparavam o almoço, e depois ajudar a dar os almoços, porque ainda há bebés muito pequeninos que ficam muito impacientes, é normal, são muitos”.
À nossa pergunta se gostou da experiência, respondeu “Gostei muito, foi uma experiência muito intensa, não é uma cultura completamente diferente, mas é uma cultura nova, estamos num sítio novo, eu também fui sozinha, não conhecia ninguém, porque parecia que estava sempre a ser bombardeada de informação, não podes andar nesta rua, se calhar é melhor não comeres isto, etc. Éramos seis voluntárias, por exemplo, não queria ir comer a qualquer sítio, porque podia ter gelo e elas não podiam beber gelo, e depois não toquem na água da torneira, porque a água da torneira faz muito mal, e não podemos comer neste sítio, porque não parece que tem muita higiene, mas foi extremamente tranquilo, mesmo em termos de águas da torneira e coisas do género. Claro que temos de ter sempre cuidado, mas também temos de ter cuidado em todo o lado, nós em Portugal é que temos mais o hábito de beber água da torneira, porque se vamos a Espanha ou a Itália, eles não tocam em água da torneira para beber, mas foi bastante tranquilo. No aspeto da comida, apesar da maioria das coisas serem muito mais caras lá, tirando uns restaurantes que se comia facilmente a dois, três euros, a comida lá é muito mais cara, porque eles têm marcas brancas, por exemplo, da marca Continente, é o triplo do preço que se paga cá em Portugal, porque o transporte de barco onera o preço”.
A Inês pagou do seu bolso, as viagens, as consultas, os medicamentos e depois lá, a alimentação, bem como passeios que fizesse. Isto na associação para onde ela foi, porque há outras, em que tem de se dar uma ajuda para a despesa com a estadia. Por outro lado, há algumas que conseguem assegurar os voos e outras coisas aos voluntários. Para a que a jovem baionense foi a «Espaço Jovem», é uma instituição que ainda precisa de muitas ajudas, nomeadamente, em termos de logística. “eles ainda estão muito à espera que chegue o “white savior”, que é o conceito de que vem um branco que nos vai salvar, e nem é tanto das pessoas mais velhas, são as próprias crianças que nos pedem ajuda. As crianças são muito mais carinhosas, nós entramos na creche, vêm todos a correr dar-nos abraços, mesmo na escolinha, já são miúdos grandes, procedem da mesma forma. Os bebés, são uns amores, já estão habituados a irem para lá todos os meses voluntárias novas, acabam por tirar fotos com eles, então ninguém pode estar com o telemóvel à beira deles, porque eles pegam nele e dizem; tia, vamos tirar uma foto, tia, por favor, adoram fotografias”.
Segundo a nossa entrevistada, a creche incentiva as crianças a fazerem fotos para publicarem, com o objetivo de divulgação e captação de voluntários para os ajudar, porque eles estão muito dependentes dos voluntários que vão de fora. “O povo Cabo-Verdiano é muito relaxado, não se passa nada. Eu sou uma pessoa bastante relaxada cá em Portugal, mas lá, era a pessoa mais stressada do mundo”.
A título de exemplo “combinámos para estar em determinado sítio às nove, eles vão chegar, com sorte, ao meio-dia, isto se aparecerem, não têm noções mínimas de horários. Não falo só de uma pessoa, são praticamente todos assim, tirando raras exceções. Deixa andar, se não fizeres hoje, fazes amanhã, está tudo bem!”.
Eles têm universidades, em São Vicente, e têm bastantes cursos, até de informática, mas há muitos que tentam vir estudar para fora, nem é só pela qualidade dos estudos, é também pela qualidade de vida. No geral lá não é zona perigosa, mas há ruas que o são. Os que têm mais possibilidades tentam sempre arranjar vistos para vir estudar para Portugal, mas os vistos são muito difíceis, só conseguem sair de Cabo Verde se tiverem um visto de trabalho já com contrato e sítio onde ficar ou se vierem mesmo estudar, revela Inês Pereira.
“Eu fui sozinha, mas já sabia que ia ficar com 4 raparigas que iam da Par, também da minha associação. Depois foram mais 2 meninas independentes que também ficaram connosco. Mas não conhecia ninguém, quando cheguei só as conheci depois. Já tinha falado com 3 delas no Whatsapp e combinamos algumas coisas antes de ir. Depois, ainda apareceu lá do nada um italiano que também ficou connosco, não na nossa casa, que nós não tínhamos mais espaço, mas acabou por ficar no nosso voluntariado. Iam aparecendo voluntários para fazerem visitas que estiveram lá em anos anteriores, ainda por cima era o mês de julho, e estavam sempre muitos portugueses juntos, éramos mesmo imensos. Na última semana que lá estive, chegaram 25 portugueses para passar lá uma semana de voluntariado também religioso. Apesar de tudo eles acabam por ter muitos apoios, nem é só de Portugal, mas por exemplo da China, a China investe muito naquela ilha e também em Cabo Verde”.
Ficamos a saber que, para além de construírem fábricas, estão neste momento a remodelar um hospital inteiro, a construir uma maternidade nova, entre outras importantes obras, com investimentos Chineses e a proteção dos Estados Unidos.
“Eles recebem bastantes doações, tivemos que organizar uma feirinha para vender algumas coisas que lhes são oferecidas, por exemplo; chegam roupas, mas é difícil escolher a quem dar, na Escolinha de Verão estavam entre 200 e 300 crianças e as doações nunca na vida dão para escolher. Então, eles acabam por vender a um preço muito simbólico, a maioria das peças a 100, 200 escudos, que é menos de 2 euros. Este dinheiro era para arrecadarem para apoiarem a Escolinha de Verão, porque a inscrição custa apenas 100 escudos e não pagam mais nada, e recebem o lanche todos os dias, porque é só de manhã”.
Relativamente às doações Inês ficou bastante chocada “custa-me acreditar que há pessoas que doem coisas naquele estado de sujidade, ainda por cima mandarem de avião ou de barco aquele tipo de doações é um bocado chocante, nós estivemos a fazer uma seleção do que é que poderíamos pôr à venda ou não, porque algumas coisas já estavam num estado lastimoso. Este ano criámos uma agregação de fundos online para ajudar a trocar o telhado da Creche, que é de chapa e aquece imenso e fica muito abafado lá dentro, onde estão 30 crianças, sempre uns em cima dos outros e de nós, é mesmo muito intenso. Então eles já receberam uma doação de pladur, só que não tinham quem fosse colocá-lo, porque os Cabo-Verdianos, para se ajudarem uns aos outros, é muito complicado mesmo. A dona da Creche, a Ronise, falou connosco, criamos esse fundo, conseguimos 699 euros, para comprar os restos materiais e pagar a mão de obra, e acho que ainda está aberto o fundo, porque depois acrescentamos mais 600 euros, que é para pagar um mês de alimentação, que é mais ou menos por quanto fica. Todo o dinheiro que a partir daqui for angariado, é uma vitória, e dá para ajudar outras carências bem necessárias”.
Se alguém estiver interessado em ajudar com o seu contributo, pode fazê-lo através do seguinte endereço:
https://www.gofundme.com/f/ajude-a-creche-kiola-de-sao-vicente
Inês Pereira confessou que gostava de repetir a experiência “Eu quero muito voltar lá, apesar de saber que já não vou conseguir ver os meus bebés, os meus sobrinhos todos, porque havia lá bebés com menos de um ano, portanto, se eu for lá daqui a dois anos, ainda posso conseguir rever alguns, ver e estar com a senhora da Creche, que foi uma pessoa que gostei mesmo muito de a conhecer, porque acho que ela é uma pessoa que merece mesmo muita ajuda, mas, se lá voltar, será num contexto de passar duas ou três semanas de férias, e ir à creche durante manhã o que dava perfeitamente para conjugar com as férias. Aquela ilha não é muito turística, tinha algumas pessoas, mas não tem muitos hotéis, tem dois ou três, São Vicente nem sequer é das ilhas mais conhecidas. Outras há que têm boas praias com a vantagem de ter águas límpidas, sem algas, é azulinha. Em termos de voltar, gostava de fazer voluntariado, mas gostava de experimentar outros sítios. Agora se voltar lá, compensa-me mais ir, quando eu quiser, o tempo que quiser, e o voluntariado é bem-vindo a qualquer altura do ano, tendo a possibilidade de escolher melhor as datas em que quero ir, porque nesta associação, nós temos de ir do início ao fim do mês”.
Como deixou transparecer, vontade não lhe falta de reviver esta aventura e as saudades de ver as crianças e a Ronise, vão pesar certamente na balança e, pensando bem, fica apenas a 4 horas de viagem de avião.
O Jornal “O Comércio de Baião”, agradece à jovem Inês Pereira por partilhar connosco e, obviamente, com os nossos estimados leitores, esta bela história de voluntariado em território de Cabo Verde, restando-nos desejar-lhe as maiores felicidades, para novas ações de Voluntariado.